domingo, 12 de março de 2017

No Coração da Floresta

O fato se tornará uma história e a história se tornará uma lenda. Até que um dia a lenda se tornará apenas uma bela fábula, que nem de longe contará a verdade sobre o fato ocorrido. E no aconchego de seus lares, ao pé de uma lareira quente ou sentado em uma cadeira na varanda, contará esta história aos seus filhos, pensando que nunca aconteceu.

Foi por volta de mil e quinhentos, quando os portugueses firmaram seus pés sobre a Ilha de Vera Cruz, mais conhecida como Brasil, que o primeiro clã de bruxas vindo da Europa, também conheceram estas terras. Os livros contam sobre os padres que vieram nas embarcações para abençoar a viagem e as terras desconhecidas. Entretanto se esquecem de mencionar as famosas “irmãs de Sangue”. Um grupo de mulheres pagãs que habitavam as florestas europeias, conhecidas pelo seu poder e longevidade.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

Carnavalha

Cambaleando em meio à multidão eu percebi seu rosto desfocado devido a minha embriaguez. Era de uma beleza nunca vista, mas precisei firmar os olhos para ter certeza do que estava vendo. Uma ninfa, sem dúvida alguma. Uma deusa vinda diretamente de um poema grego. Estava ali parada naquele beco, dançando como uma serpente subindo em uma macieira.

Seus lábios vermelhos eram a deliciosa maçã do pecado original. E eu como um bom Adão quis prová-la assim que a avistei. Confesso que não foi difícil: assim que nossos olhares se cruzaram, eu sabia como terminaríamos a noite. Pelo menos era o que pensava.

Em meio a confetes, serpentinas e foliões desavisados eu caminhei até ela, retirei meu isqueiro do bolso a acendi seu cigarro. Delicadamente ela se inclinou em frente à chama, deixando a luz amarelada revelar mais do que devia em seu decote. Neste momento, assim como uma medusa ela me paralisou com sua beleza. Eu faria qualquer coisa que ela quisesse, e assim aconteceu.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

A Montanha

Desde os primórdios de minha família nesta montanha, nós vivemos da terra. Meu primeiro ancestral a chegar aqui caminhou dia e noite com sua mulher e filhos fugindo da grande guerra que assolava o mundo. A guerra era implacável, devorava almas como um animal faminto.

E foi nesta pequena mata fechada, longe dos lampiões que iluminavam as velhas ruas, que nós encontramos esta pequena montanha. Ela não chamou muita atenção de início, pois o que realmente era convidativo era o rio e caça abundante no local. Entretanto uma brisa quente escapava das frestas da montanha e convidava meus ancestrais a conhecer seu interior.

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Promessas de Ano Novo

Da sacada de seu apartamento Humberto tragava uma de suas promessas da ultima virada de ano. Assim como jogos de azar, prostitutas e whisky, o cigarro também era um dos itens não cumpridos de um extenso pacote de medidas para um ano melhor. Que obviamente não vieram a acontecer. Mas de todas as promessas não cumpridas a que de fato lhe amargurava era não ter alguém para dividir a passagem de ano mais uma vez.

Foi então quando os fogos romperam no céu anunciando o primeiro segundo de um novo ano, sua campainha tocou. Espantando ele foi vagarosamente equilibrando um cigarro na mão e um copo de whisky na outra. Abriu a porta desajeitado e deparou com um verdadeiro presente de ano novo.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Flocos de Neve

Aqui é sempre inverno, estamos com a neve sempre pelo joelho e na maior parte das vezes é escuro. Com uma pequena exceção, existe um curto período em que a luz nos ilumina, mas rapidamente a escuridão toma seu lugar. Não sei precisar há quanto tempo estamos aqui e o pai também não. Sempre que pergunto como viemos parar aqui e como eram as coisas antes, ele responde com sua voz rouca:

— Você faz muitas perguntas filho!

Então assim passamos os nossos dias, minha irmã e eu brincamos no balanço - eu sempre estou empurrando porque sou o mais velho. A mãe está sempre na cozinha de casa mexendo um bolo e o pai está cortando lenha. Afinal aqui é muito frio e precisamos nos aquecer, principalmente nas épocas de escuridão. O chão aqui treme sempre quando está claro e em seguida vem uma nevasca. No início nós tínhamos muito medo, principalmente minha irmã que é pequena, mas já estamos acostumados com isso.

terça-feira, 22 de novembro de 2016

O Trem

Um senhor na casa dos seus cinquenta anos dirigia de um estado para outro, com o intuito de participar de uma reunião de negócios. Ao longo do caminho seu celular tocou várias vezes, mas ele apenas checava de quem era a ligação e desligava a chamada. Assim foi ao longo de todo seu trajeto, até que em um determinado ponto da estrada seu carro começou a falhar. Nervoso, pois estava com medo de perder uma importante reunião, olhou ao seu redor como quem buscasse uma solução divina para o problema.

Em meio ao nervosismo da situação avistou uma pequena placa que indicava uma estrada de chão saindo da rodovia principal, onde estava trafegando. Com o seu carro quase parando, dirigiu por alguns quilômetros estrada adentro, até que chegou em um pequeno vilarejo. Ao chegar na praça do pequeno local, seu carro deu o último suspiro de vida e parou de funcionar.

terça-feira, 8 de novembro de 2016

O Dia Zero

Abriu os olhos. Escutava ao fundo uma melodia extremamente agradável que o fazia lembrar-se de quando era pequeno, e ficava sentado no sofá observando seu pai cantarolar enquanto olhava pela janela em um dia de chuva. Aquela recordação era o mais puro e palatável sabor da verdadeira nostalgia. Algo que sentimos com sons, cheiros ou imagens especificas, que conseguem realmente te transportar a outra época.

Sem mesmo tomar por conhecimento que sua boca estava mexendo, começou a repetir a música em voz alta. Mas seu pai não estava ali, tampouco era um dia chuvoso. As coisas mudaram bastante nestes últimos anos e sentado na sala está seu filho vendo uma manchete de última hora na TV.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

LIVRO - O BECO

Há três anos eu estava sentado em uma mesa de reunião tentando resolver um problema. Quando meu chefe indagou que nossa equipe tinha uma memória curta. Isto me fez viajar e pensar como seria se eu esquecesse um dia da minha vida! 

Comecei então a rascunhar em minha agenda um conto intitulado O Beco. No mesmo dia decidi que montaria um Blog para dividir com as pessoas esses devaneios repentinos. Mas por curiosidade O Beco foi se tornando bem maior que um conto.

Naquela mesma noite nasceu meu blog de contos Beco Qualquer. E junto dele seu irmão gêmeo o livro O Beco, que só veio a ficar pronto de verdade agora três anos depois da primeira centelha criativa.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Noite de Halloween

Incessantemente ele pedalou sua bicicleta, afinal não é todo dia que se tem um encontro com Geovana. Mesmo com o peito queimando de dor e os joelhos em carne viva ele não desistiria disso. Já havia desistido de muitas coisas na vida apesar de ser jovem. Um exemplo era o livro de fantasia que escreveu durante o verão. Geralmente meninos da oitava série estão botando fogo no mundo durante as férias. Mas Fellipe não! Ele preferia ficar a só escrevendo ou jogando vídeo game.

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Noite de Saci

Nos idos de 1998 tive o prazer de trabalhar na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, especificamente na recuperação de livros e documentos históricos. Muitos destes documentos estão em português arcaico misturado com tupi e eram bem difíceis de ler.  Mas durante uma restauração uma palavra em especial me chamou atenção, Matimpererê.

Foi inevitável não pensar no famoso personagem do nosso folclore Saci – Pererê. Decidi então dar uma olhada melhor ao documento, e vi que se travava de uma carta escrita por um bandeirante chamado António Costa Valente ao seu contratante Mario Garcia Proença. Resolvi transcrever a carta para o português mais atual e traduzir alguns termos em tupi. O resultado vocês podem ler abaixo: